quarta-feira, 17 de agosto de 2011

As palavras de Rubem Alves:



“O objetivo de um parecer, como a própria palavra o sugere, é dizer
a alguém que supostamente nada ouviu e que, por isto mesmo, nada sabe,
aquilo que parece ser, aos olhos do que fala ou escreve. Quem dá um
parecer empresta os seus olhos e o seu discernimento a um outro que não
viu e nem pôde meditar sobre a questão em pauta. Isto é necessário porque
os problemas são muitos e os nossos olhos são apenas dois...
Há, entretanto, certas questões sobre as quais emitir um parecer é
quase uma ofensa. Emitir um parecer sobre Nietzsche ou sobre Beethoven
ou sobre Cecília Meireles? Para isto seria necessário que o signatário do
documento fosse maior que eles e o seu nome mais conhecido e mais digno
de confiança que aqueles sobre quem escreve...
Um parecer sobre Paulo Reglus Neves Freire.
O seu nome é conhecido em universidades através do mundo todo.
Não o será aqui, na UNICAMP? E será por isto que deverei acrescentar
a minha assinatura (nome conhecido, doméstico), como avalista?
Seus livros, não sei em quantas línguas estarão publicados. Imagino
(e bem pode ser que eu esteja errado) que nenhum outro dos nossos docentes
terá publicado tanto, em tantas línguas. As teses que já se escreveram sobre
seu pensamento formam bibliografias de muitas páginas. E os artigos escritos
sobre o seu pensamento e a sua prática educativa, se publicados, seriam
livros.
O seu nome, por si só sem pareceres domésticos que o avalisem,
transita pelas universidades da América do Norte e da Europa. E quem
quisesse acrescentar a este nome a sua própria “carta de apresentação”
só faria papel ridículo.
Não. Não posso pressupor que este nome não seja conhecido na
UNICAMP. Isto seria ofender aqueles que compõem seus órgãos decisórios.
Por isso o meu parecer é uma recusa em dar um parecer. E nesta
recusa vai, de forma implícita e explícita, o espanto de que eu devesse
acrescentar o meu nome ao de Paulo Freire. Como se, sem o meu, ele não
se sustentasse.
Mas ele se sustenta sozinho.
Paulo Freire atingiu o ponto máximo que um educador pode atingir.
A questão é se desejamos tê-lo conosco.
A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.
É bom dizer aos amigos:
‘ – Paulo Freire é meu colega. Temos salas no mesmo corredor da
Faculdade de Educação da UNICAMP...’
Era o que me cumpria dizer.”


Este parecer datado de 25 de maio de 1985, escrito por Rubem Alves,
Professor Titular II, está protocolado sob nº. 4.838/80, nos registros administrativos
da Universidade Estadual de Campinas.

17 comentários:

  1. De fato seria impossível dar um parecer sobre o Mestre dos mestres... Fiquei encantada com a leveza e ainda assim, crítica velada de Rubem Alves ao desejo de alguém negar o retono de Paulo Freire ao seu posto.

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  2. De fato seria impossível dar um parecer sobre o Mestre dos mestres... Fiquei encantada com a leveza e ainda assim, crítica velada de Rubem Alves ao desejo de alguém negar o retono de Paulo Freire ao seu posto.
    Tatiana Gê

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  3. Me chamou a atenção foi a humildade pertinente aos mestres. Lindo! Também me remeteu a uma autocrítica sobre minha prática quando ele diz: "A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado"...

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    1. Concordo totalmente com Rubem Alves,que Paulo Freire não precisa de nenhum parecer para ser homenageado e querido por todos os profissionais da educação,pois soube muito bem mostrar a todos como deve agir um verdadeiro educador,que sonha com um mundo mais justo e melhor para todos os seres humanos.
      Inês Carneiro-FA7 março,17 de 2012

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  4. Marcos Ramos, Mar 17,

    Um parecer é texto muito resumido em relação ao assunto tratado. É necessário,pois se trata de uma opinião sobre determinado assunto ou autor direcionada a quem não tem uma noção sobre o que está sendo tratado,contudo em certas situações um parecer pode se tornar quase uma ofensa: como escrever um texto simples sobre algo ou alguém tão complexo?

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  5. Um parecer é muito pouco em se tratando de Paulo Freire, esse homem é referência em educação internacionalmente falando. Rubem Alves colocou sabiamente suas palavras, honrando aquele exerceu seu trabalho como grande educador e transformador da sociedade.

    Adriana Ribeiro - Pós- Graduação FA7

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  6. Diante da tarefa de discorrer sobre Paulo Freire, Rubem Alves questiona como ele poderia escrever uma 'apresentação' sobre aquele que internacionalmente pensou e falou sobre educação e emancipação humanas. Conjectura, em seus pressupostos, a impossibilidade de que Freire não seja reconhecido dentro de sua própria 'casa' uma vez que sua obra e tantas outras sobre seu modo de fazer educação circularam e circulam mundo afora. O autor expressa sua pequenez diante do significado e relevância da pessoa e obra de Paulo Freire no contexto educacional contemporâneo.

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  7. Diante da tarefa de discorrer sobre Paulo Freire, Rubem Alves questiona como ele poderia escrever um parecer (dada a possibilidade do retorno de Freire às suas atividades)sobre aquele que internacionalmente pensou e falou sobre educação e emancipação humanas. Conjectura, em seus pressupostos, a impossibilidade de que Freire não seja reconhecido dentro de sua própria 'casa' uma vez que sua obra e tantas outras sobre seu modo de fazer educação circularam e circulam mundo afora. O autor expressa sua pequenez diante do significado e relevância da pessoa e obra de Paulo Freire no contexto educacional contemporâneo. Uma sutil crítica.

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  8. Sábias palavras de Rubem Alves. "O fazer" de Paulo Freire já diz tudo dele mesmo. Quem dera nós, educadores, desejássemos conhecer um pouco desse mestre.
    (Cláudia Mara)

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  9. Este documento nos apresenta o pensamento de Rubem Alves acerta do educador Paulo Freire, não de maneira academicista, mas através de suas impressões acerca do mesmo. Os escritos de Freire são internacionais e na visão de Rubem Alves não precisam ser justificados, pois existem por si só. Resta-nos estarmos preparados como profissinais para colocarmos em prática aquilo que tanto lemos e falamos.

    Carla Renata - Pós Graduação FA7

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  10. As palavras de Rubem Alves nos faz refletir que mesmo sem dar pareceres, necessitamos do apoio das palavras e das teorias sábias em nossas práticas educativas. Ante isso, o que mais chamou atenção foi a seguinte passagem: "A questão é se desejamos tê-lo conosco.A questão é se ele deseja trabalhar ao nosso lado.". Penso, então, que Paulo Freire desde o primeiro momento decidiu nos apoiar, contribuir com nossas ações docentes, mas, ao contrário, nos restou decidir e desejar a presença de Paulo Freire. Ser reconhecido mundialmente deveria ser mais um motivo para a valorização local/nacional, estando ele presente no cotidiano da educação brasileira. Assim como Rubem Alves, deveríamos nos orgulhar de tal reverência e dizer em tom maior: - somos colegas de Paulo Freire. Temos momentos em comum nas salas das universidades e nas práticas em sala de aula. Certamente, isto seria uma das condições de garantia de qualidade na educação.
    Grazielle Ramos - Pós-Graduação FA7

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  11. Penso que Paulo Freire alcança os educadores brasileiros quando aborda temas simples e de relevância social. Questões como o amor, a autonomia, o olhar do e para o oprimido é que nos deixam à vontade com sua literatura.

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  12. Rubens Alves teve a sensibilidade de colocar em pauta a importância das ações do grande educador Paulo Freire, onde expressar algum parecer sobre tal pessoa não seria necessário, pois considera que o mesmo se sustenta sozinho, ou seja, é um mestre da educação.

    Tatiane Gama - Pós Graduação FA7

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  13. Rubens Alves demonstrou humildade e com muita simplicidade conseguiu em poucas linhas dizer a importância que Paulo Freire tem para a educação. Márcia Becker - Pós Graduação FA7

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  14. Rubens Alves foi confiante em sua postura, pois independente do nível intelectual, a humildade é o reconhecimento da importância do outro. De acordo com Paulo Freire, a humildade é um dever humano e democrático, sendo uma qualidade indispensável no desempenho de professor e de gestor. Suyanne Campelo Pós-FA7

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  15. Rubem Alves nesse texto apresenta uma boa reflexões, pois quando emitimos um parecer sobre uma obra ou pessoa de certa forma estamos emitindo um juízo de valor. Quando temos a oportunidade de nos deleitarmos sobre um conhecimento significativo o que precisa ter maior relevância é o caminho da descoberta,a reflexão e a oportunidade de contextualização na nossa realidade. Apresentar um parecer passa a ter uma função secundária.Que nível de desenvolvimento teremos quando as pessoas puderem ter mais acesso a cultura, espírito investigativo mais aguçado e práticas mais reflexivas?
    Não precisaremos gastar tanto tempo tentando convencer os outros, eles terão autonomia para realizarem suas próprias leituras de mundo não precisaram de intérpretes. Ívina Gomes Garcias ´FA7 (aluna da pós) - 13/04/2012

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  16. Perdemos Rubem Alves, o mestre os mestres não só em educação propriamente dito, mas em solidariedade, fraternidade, grande homem na fé presbiteriana, de uma simplicidade e inteligência notáveis e quase inigualáveis. O Brasil perde o mundo perde com a ausência do professor da nossa universidade(Unicamp), da nossa cidade(Campinas) do nosso estado. Perdemos Rubem Alves, vá com Deus professor.

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