domingo, 21 de agosto de 2011

DAS TEORIAS TRADICIONAIS ÀS CRÍTICAS

DAS TEORIAS TRADICIONAIS ÀS CRÍTICAS

Os estudos sobre currículo nascem nos Estados Unidos,1 onde se desenvolveram duas tendências iniciais. Uma mais conservadora, com Bobbitt, que buscava igualar o sistema educacional ao sistema industrial, utilizando o modelo organizacional e administrativo de Frederick Taylor. Bobbitt encontrou ainda suporte na teoria de Ralph Tyler e na de John Dewey. O primeiro defendia a idéia de organização e desenvolvimento curricular essencialmente técnica. Por sua vez, John Dewey se preocupava com a construção da democracia liberal e considerava relevante a experiência das crianças e jovens, revelando uma postura mais progressivista.

Na década de 1960 ocorreram grandes agitações e transformações. Nesse contexto começam as críticas àquelas concepções mais tradicionais e técnicas do currículo. “As teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (p. 29). Entre os estudos pioneiros está a obra A ideologia e os aparelhos ideológicos de Estado, de Louis Althusser. Sua teoria diz que “a escola contribui para a reprodução da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que nos fazem vê-la como boa e desejável” (p. 32). Já a escola capitalista, de Bowles e Gintis, “enfatiza a aprendizagem, através da vivência das relações sociais da escola, das atitudes necessárias para se qualificar um bom trabalhador capitalista” (p. 3233). Por fim, A reprodução, de Bourdieu e Passeron, afirma que o currículo está baseado na cultura dominante, o que faz com que crianças das classes subalternas não dominem os códigos exigidos pela escola.2

Voltando aos Estados Unidos, vemos que, a partir dos anos 70, tendo como marco inicial a I Conferência sobre Currículo, liderada por William Pinar, surgem duas tendências críticas no campo do currículo, as quais vêm se opor às teorias de Bobbitt e Tyler. A primeira de caráter marxista, utilizando-se, por exemplo, de Gramsci e da Escola de Frankfurt. A segunda de orientação fenomenológica e hermenêutica. Aquela enfatizando “o papel das estruturas econômicas e políticas na reprodução social” (p. 38); esta enfatizando “os significados subjetivos que as pessoas dão às suas experiências pedagógicas e curriculares” (p. 38).

Michael Apple, um dos expoentes nesse âmbito, parte dos elementos centrais do marxismo, colocando o currículo no centro das teorias educacionais críticas e relacionando-o às estruturas mais amplas, contribuindo assim para politizá-lo. “Apple procurou construir uma perspectiva de análise crítica do currículo que incluísse as mediações, as contradições e ambigüidades do processo de reprodução cultural e social” (p. 48).

Já o currículo como política cultural, de Henry Giroux, fala numa “pedagogia da possibilidade” (p. 53) que supere as teorias de reprodução. Ele utiliza estudos da Escola de Frankfurt sobre a dinâmica cultural e a crítica da racionalidade técnica. Compreende o currículo a partir dos conceitos de emancipação e liberdade, já que vê a pedagogia e o currículo como um campo cultural de lutas.

De fato, suas análises se ocupam mais com aspectos culturais do que propriamente educacionais. Ultimamente, Giroux incorporou contribuições do pós-modernismo e do pós-estruturalismo.

Outro autor de destaque é Paulo Freire. Sua teoria é claramente pedagógica, não se limitando a analisar como é a educação existente, mas como deveria ser. Sua crítica ao currículo está sintetizada no conceito de educação bancária. Por outro lado, concebe o ato pedagógico como um ato dialógico em que educadores e educandos participam da escolha dos conteúdos e da construção do currículo. Antecipa a definição cultural sobre os estudos curriculares e inicia uma pedagogia pós-colonialista. Nos anos 80, Freire seria contestado pela pedagogia dos conteúdos, proposta por Demerval Saviani. Este autor critica a pedagogia pós-colonialista de Freire por enfatizar não a aquisição do saber, mas os métodos desse processo; para ele conhecimento é poder, pois a apropriação do saber universal é condição para a emancipação dos grupos excluídos.

Já a ‘nova’ sociologia da educação3 busca construir um currículo que reflita mais as tradições culturais e epistemológicas dos grupos subordinados. Essa corrente se dissolveu numa variedade de perspectivas analíticas e teóricas: feminismo, estudo sobre gênero, etnia, estudos culturais, pós-modernismo, pós-estruturalismo etc. Nesse âmbito, Bernstein investiga como o currículo é organizado estruturalmente. Distingue dois tipos fundamentais de organização: no currículo tipo coleção “as áreas e campos de saber são mantidos fortemente isolados” (p. 72); no tipo integrado “as distinções entre as áreas de saber são muito menos nítidas e muito menos marcadas” (p. 72). O autor quer compreender como as diferentes classes sociais aprendem suas posições de classe via escola. Elabora então o conceito de códigos: no elaborado “os significados realizados pela pessoa – o ‘texto’ que ela produz – são relativamente independentes do contexto local” (p. 75); no restrito “o ‘texto’ produzido na interação social é fortemente dependente do contexto” (p. 75). Para ele o código elaborado é suposto pela escola, mas crianças de classe operária possuem códigos restritos, o que estaria na base do seu ‘fracasso’ escolar.

Ainda de acordo com Bernstein, o currículo oculto, conceito fundamental na teoria do currículo, “constitui-se daqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial explícito, contribui de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes” (p. 78). Na análise funcionalista o currículo oculto ensina noções tidas como universais, necessárias ao bom funcionamento das sociedades “avançadas”; já as perspectivas críticas, ao denunciálo, dizem que ele ensina em geral o conformismo, a obediência, o individualismo, a adaptação às injustas estruturas do capitalismo. Já as pós-críticas consideram importante incluir aí as dimensões de gênero, sexualidade, raça etc.


SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma
introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.

4 comentários:

  1. Ótimo resumo!!! Conseguimos ter uma visão geral sobre as mudanças vividas em nosso currículo, bem como sobre a influência de cada teorico em cada vertente.
    Tatiana Gê.

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  2. Elba o vídeo é muito bom, você poderia me mandar o link por email?
    Tatiana Gê

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  3. por Prof.Gerardo (Pardal)

    Nossa escola ainda vive uma teoria conservadora, como defendia Bobbitt, a que “busca igualar o sistema educacional ao sistema industrial”. Ralph Tyler defendia a idéia de organização e desenvolvimento curricular essencialmente técnica. Se formos analisar a parte da base comum dos currículos de nossas escolas não fogem muito desta ideologia. As matérias propostas têm que ser estudadas por todos, independentemente se a escola é da cidade, da metrópole ou rural. Se é uma escola do sertão ou do litoral. São matérias obrigatórias.

    A partir a década de 60 foram chegando as grandes agitações e transformações. Surgiram as teorias críticas às concepções mais tradicionais e técnicas do currículo. O autor que mais se desça neste período é Louis Althusser. Segundo ele, nenhum outro Aparelho Ideológico de Estado dispõe de uma audiência obrigatória por tanto tempo (6h/5dias por semana) e durante tantos anos - precisamente no período em que o indivíduo é mais vulnerável, estando espremido entre o Aparelho Ideológico de Estado familiar e o Aparelho Ideológico de Estado escolar.

    As duas teorias críticas que surgem nos Estados Unidos organizada por Gramsci e a Escola de Frankfurt começam ter espaço e a desmascarar as teorias conservadoras. Como educadores, não podemos deixar de reconhecer a razão de Gramsci, quando diz que escola nasce como instrumento necessário para a manutenção da ordem vigente, mas pode – e deve – ser transformada em um instrumento de construção de hegemonia proletária. Seria pela ação da vanguarda política do proletariado que se chegaria a esta transformação. A Escola de Frankfurt teve um papel muito importante nesta luta de superação. Os pressupostos (marxista) foram de peso, pois queriam mudar as estruturas da sociedade moderna capitalista, mas sem violência, sem revolução nem terrorismo. Tal proposta parece-me ousada, uma vez que o homem dificilmente abre mão do lucro, da propriedade privada, pois se acha o dono de tudo. Vale à pena abraçar a utopia para a qual os estudos sociológicos de Frankfurt se inclinam que é a construção de uma sociedade onde impere a ordem, a justiça e a superação da pobreza? Creio que sim. São as utopias que nos move para um futuro melhor.

    Arremato meu comentário, colocando o papel de Paulo Freire, um educador cuja contribuição foi um divisor de águas. Foi um crítico ao sistema educacional brasileiro que reproduzia – e reproduz ainda hoje – a ideologia dominante, que ele batizou de educação bancária. Criou um método de ensino através do qual o educando aprendia a partir da sua própria realidade, da sua própria experiência. A isso chamou de educação libertadora. Infelizmente Paulo Freire não foi reconhecido em nosso Brasil. Exilado, foi muito aceito lá fora.

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  4. Professor Gerardo (Pardal), parabéns pelo texto comentado.

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