domingo, 28 de agosto de 2011

O ensino e o desenvolvimento do pensamento.


O ensino e o desenvolvimento do pensamento: o ensino desenvolvimental

(LIBÂNEO, 2004)

Na base do pensamento de Davydov está a ideia mestra de Vygotsky de que a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental. O ensino propicia a apropriação da cultura e o desenvolvimento do pensamento, dois processos articulados entre si, formando uma unidade.
Podemos expressar essa ideia de duas maneiras:
a) enquanto o aluno forma conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa;
b) enquanto forma o pensamento teórico, desenvolve ações mentais, mediante a solução de problemas que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse conhecimento.
Para superar a pedagogia tradicional empiricista, é necessário introduzir o pensamento teórico. O papel do ensino é justamente o de propiciar mudanças qualitativas no desenvolvimento do pensamento teórico, que se forma junto com as capacidades e hábitos correspondentes. Em razão disso, escreve Davydov:
“Os conhecimentos de um indivíduo e suas ações mentais (abstração, generalização etc.) formam uma unidade. Segundo Rubinstein, “os conhecimentos [...] não surgem dissociados da atividade cognitiva do sujeito e não existem sem referência a ele”. Portanto, é legítimo considerar o conhecimento, de um lado, como o resultado das ações mentais que implicitamente abrangem o conhecimento e, de outro, como um processo pelo qual podemos obter esse resultado no qual se expressa o funcionamento das ações mentais. Consequentemente é totalmente aceitável usar o termo “conhecimento” para designar tanto o resultado do pensamento (o reflexo da realidade) quanto o processo pelo qual se obtém esse resultado (ou seja, as ações mentais). “Todo conceito científico é, simultaneamente, uma construção do pensamento e um reflexo do ser”. Deste ponto de vista, um conceito é, ao mesmo tempo, um reflexo do ser e um procedimento da operação mental. (1988b, p. 21).”
Nesse sentido, de um lado, a aprendizagem escolar é estruturada conforme o método de exposição do conhecimento científico, mas, por outro, o pensamento que um aluno desenvolve na atividade de aprendizagem tem algo em comum com o pensamento de cientistas que expõem o resultado de suas pesquisas, quando se utilizam abstrações, generalizações e conceitos teóricos. Escreve Davydov:
Embora o pensamento das crianças tenha alguns traços em comum com o pensamento dos cientistas, artistas, filósofos da moral e teóricos do direito, os dois não são idênticos. As crianças em idade escolar não criam conceitos, imagens, valores e normas de moralidade social, mas apropriam-se deles no processo da atividade de aprendizagem. Mas, ao realizar esta atividade, as crianças executam ações mentais semelhantes às ações pelas quais estes produtos da cultura espiritual foram historicamente construídos. Em sua atividade de aprendizagem, as crianças reproduzem o processo real pelo qual os indivíduos vêm criando conceitos, imagens, valores e normas. Portanto, o ensino de todas as matérias na escola deve ser estruturado de modo que, como escreveu Ilenkov, “seja reproduzido, de forma condensada e abreviada, o processo histórico real da gênese e desenvolvimento... do conhecimento”. (1988b, p. 21-22)
As ideias de Davydov sobre o ensino desenvolvimental, lastreadas no pensamento de Vygotsky, podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:
a) a educação e o ensino são fatores determinantes do desenvolvimento mental, inclusive por poder ir adiante do desenvolvimento real da criança;
b) deve-se levar em consideração as origens sociais do processo de desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento individual depende do desenvolvimento do coletivo. A atividade cognitiva é inseparável do meio cultural, tendo lugar em um sistema interpessoal de forma que, através das interações com esse meio, os alunos aprendem os instrumentos cognitivos e comunicativos de sua cultura. Isto caracteriza o processo de internalização das funções mentais;
c) a educação é componente da atividade humana orientada para o desenvolvimento do pensamento através da atividade de aprendizagem dos alunos (formação de conceitos teóricos, generalização, análise, síntese, raciocínio teórico, pensamento lógico), desde a escola elementar;
d) a referência básica do processo de ensino são os objetos científicos (os conteúdos), que precisam ser apropriados pelos alunos mediante a descoberta de um princípio interno do objeto e, daí, reconstruído sob forma de conceito teórico na atividade conjunta entre professor e alunos. A interação sujeito-objeto implica o uso de mediações simbólicas (sistemas, esquemas, mapas, modelos, isto é, signos, em sentido amplo) encontradas na cultura e na ciência. A reconstrução e reestruturação do objeto de estudo constituem Didática, identidade profissional e contextualização da prática docente o processo de internalização, a partir do qual se reestrutura o próprio modo de pensar dos alunos, assegurando, com isso, seu desenvolvimento.
O texto de Davydov concretiza a proposição de Vygotsky, ao afirmar que a função de uma proposta pedagógica é melhorar o conteúdo e os métodos de ensino e de formação, de modo a exercer uma influência positiva sobre o desenvolvimento de suas habilidades (por exemplo, seus pensamentos, desejos etc.) (DAVYDOV, p. 32).
Esse posicionamento leva a afastar ideias pedagógicas correntes em vários países, ora de superpor o desenvolvimento social e emocional ao cognitivo, de sobrepor a atividade prática ao desenvolvimento do pensamento teórico, ou de promover práticas espontaneístas na educação escolar. Para ele, há uma especificidade sócio-histórica dos processos em que as crianças reproduzem as habilidades humanas, de modo a contrapor ao desenvolvimento espontâneo das crianças o papel determinante da educação e do ensino orientado por objetivos (DAVYDOV, p. 38). Escreve Davydov:
É fato conhecido que o ensino e a educação atingem os objetivos mencionados por meio da direção competente da atividade própria da criança. Quando essa atividade é interpretada abstratamente e, mais ainda, quando o processo do desenvolvimento está desvinculado da educação e do ensino, inevitavelmente surgirá algum tipo de pedocentrismo ou de contraposição entre as necessidades da “natureza” da criança e os requisitos da educação (como tem ocorrido, em numerosas ocasiões, na história do pensamento e da prática pedagógicos). Entretanto, a situação se altera substancialmente se a atividade “própria” da criança, de um lado, é compreendida como algo que surge e se forma no processo da educação e do ensino e, de outro, se é vista no contexto da história da própria infância da criança, determinada pelas tarefas socioeconômicas da sociedade e pelos objetivos e possibilidades da educação e do ensino que a elas correspondem. (1988a, p. 54-55)
Todavia, não se pode extrair daí que a crítica ao espontaneísmo resulte numa imposição de conteúdos. Trata-se de compreender a articulação entre apropriação ativa do patrimônio cultural e o desenvolvimento mental humano.
Dadas estas premissas teóricas, o fato de considerar a natureza e os aspectos específicos da atividade infantil não implica a contraposição entre o desenvolvimento e a educação, mas a introdução, no processo pedagógico, da condição mais importante para a concretização das suas finalidades. Neste caso, segundo as palavras de Rubinstein, o processo pedagógico, como a atividade do professor-educador, forma a personalidade da criança em desenvolvimento na medida em que dirige a atividade da criança, ao invés de substituí-la por uma outra coisa. (DAVYDOV, p. 55)
Ainda citando Rubinstein, escreve Davydov:
Qualquer tentativa do educador-professor “de introduzir a cognição e as normas morais, ignorando a atividade própria da criança no domínio desse conhecimento e de normas morais, prejudica [...] as próprias bases do seu sadio desenvolvimento mental e moral, o alimento de suas características e qualidades pessoais”. (DAVYDOV, p. 55)

2 comentários:

  1. Todo professor recebe de Deus a sensibilidade que é um dom maravilhoso que Ele nos dá por amor a nossa vida. Mediante este suporte é que, planejamos um trabalho que valorize o conhecimento prévio da criança, dando condições para o seu crescimento cognitivo. Márcia Becker

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  2. Gostaria de um resumo sobre esse texto acima?

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